quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Juiz do Trabalho segue STF e antecipa execução

A decisão do STF que permitiu a execução da pena antes do trânsito em julgado já começa a surtir efeitos em outras áreas do Direito, no caso, no Direito do Trabalho.

O Magistrado Flávio Bretas Soares determinou que sejam liberados de imediato os valores obtidos com as vendas de duas fazendas para pagar dívidas da falida Vasp, com o pálio de que o STF entendeu ser possível a execução antes da questão transitar em julgado. Assim ele afirmou:  

“Ora, se em esfera penal, em que o objeto é a própria liberdade da pessoa, é possível a execução da pena, com maior razão é legitima a execução total da sentença de segundo grau na esfera trabalhista, em que o executado fraudou o direito de mais de 6 mil trabalhadores”.

Ainda há a reprovação do juiz sobre o fato de que os trabalhadores estarem sem receber os valores devidos há mais de 10 anos, enquanto o ex-presidente da Vasp, Wagner Canhedo e demais devedores estarem com “razoável suporte financeiro”.  

As duas fazendas já foram objetos de Praça Pública, e, em que pese, os devedores terem questionado as vendas respectivas, o Tribunal manteve a legalidade do ato, pois entende que os recursos não envolvem questões constitucionais, requisito previsto no artigo 896, §2º da CLT.  

Além da decisão do STF, Bretas se apoiou no fato de que “estatisticamente os Agravos de Instrumento nos Recursos de Revista não são providos pelo TST”.

Para o juiz, os devedores estão protelando o feito, eis que ainda procuram discutir matérias exaustivamente decididas.

Por seu turno, o advogado dos reclamantes, Carlos Duque Estrada Júnior, afirmou que:  

“O Brasil era o único país que esperava uma decisão do terceiro grau. Em outros países nunca houve isso. Agora há uma maior efetividade”  

Afirmou ainda que a questão não envolve apenas uma questão financeira, mas social, já que milhares de trabalhadores ainda não receberam nada e não conseguiram sacar o FGTS ou seguro-desemprego, eis que a empresa não fazia depósitos corretamente.  

Duque ainda assevera que a decisão não fere a Súmula 417 do TST, que impede a execução provisória, eis que a ação civil pública que reconheceu a dívida já transitou em julgado.    

Bretas entendeu que no caso deva prevalecer a dignidade dos credores, e não do devedor.    

Entendo que essa decisão é, no mínimo, questionável, eis que na Justiça do Trabalho ainda há possibilidade de se guerrear o “quantum debeatur”, ao passo que, no caso julgado pelo STF havia patente formação da “coisa julgada fática”.  

Aurelio Mendes - @amon78

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

“Desconsideração da personalidade jurídica às avessas”  

“Desconsideração da personalidade jurídica às avessas”  

Em um caso recente TRT-4 redirecionou execução a empresa que tem devedor como sócio oculto. Para o Tribunal, devedor que transfere seus bens para empresa de familiar, sobre a qual detém absoluto controle, pode sofrer desconsideração inversa da personalidade jurídica para quitar débito trabalhista em um processo em execução.

Assim, foi permitido que um grupo de trabalhadores redirecionasse a execução contra a empresa da filha de um empresário devedor, que se tornou insolvente também como pessoa física. No caso específico a Desembargadora Relatora afirmou que restou comprovado que o empresário executado era o representante de fato e de direito de empresa em nome da filha. Era através dessa empresa que ele se mantinha no ramo de construções, eis que as dívidas que já havia contraído o impediam de negociar.

A Julgadora mencionou a lição de Ben-Hur Silveira Claus:  

‘Enquanto a clássica desconsideração da personalidade jurídica opera como técnica para inibir a utilização indevida da autonomia patrimonial da sociedade personificada e visa responsabilizar o sócio pelas obrigações da sociedade, a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica opera para coibir a confusão patrimonial entre sócio e sociedade, responsabilizando a sociedade personificada por obrigações do sócio que oculta seu patrimônio pessoal no patrimônio da sociedade’  

Aurelio Mendes - @amon78  

Danos morais em ricochete em vídeos íntimos divulgados

Há danos em ricochete na divulgação de imagens intimas  

O TJ do Rio Grande do Sul entendeu haver danos morais em ricochet quando ocorre divulgação não autorizada de cenas íntimas na internet, especificadamente sugerindo infidelidade conjugal. Com esse entendimento, a 9ª Câmara do TJRS incluiu o marido de uma mulher filmada na companhia do ex-namorado na condenação por danos morais.

O casal de autores viveram uma pequena crise conjugal, quando a mulher voltou a se encontrar com um ex-namorado. Ela teria, inclusive, se deixado filmar na relação íntima, mas não a divulgação. Entretanto, o ex-namorado divulgou as cenas no youtube e no facebook, além de ter enviado o video a amigos e conhecidos.

O casal moveu um processo por danos morais e conseguiram a parcial procedência em primeira instância. O magistrado de piso entendeu que a conduta do réu violara os atributos da personalidade da autora, protegidos pelo artigo 5º da CF, eis que não restou comprovada a autorização da mulher para que as imagens fossem divulgadas, porém negou indenização ao marido.

Já no Tribunal, o entendimento foi de que a mera concordância tácita para a gravação não era suficiente para afastar o dever de indenizar, e que a divulgação das imagens, sem a autorização expressa da pessoa filmada, gerava violação ao direito de intimidade e privacidade.

Ademais, diferentemente da primeira instância, o Tribunal entendeu que o marido havia sido vítima indireta, tendo sido atingido em sua honra, imagem e reputação.
O dano reflexo é também denominado de dano em ricochete e são aqueles que atingem de forma indireta a pessoa ligada à vítima direta da atuação ilícita.  

  Aurelio Mendes - @amon78

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O novo posicionamento do STF sobre a execução provisória de sentença penal.

O novo posicionamento do STF sobre a execução provisória de sentença penal.  

Contrariando o seu próprio entendimento recente, a Suprema Corte entendeu que é possível a execução provisória da pena quando o Tribunal Regional mantém a condenação estabelecida em primeira instância.

Alguns argumentos deram pálio para a decisão, entre eles, o fato de haver anseio social para a resposta penal aos condenados.

Todavia, julgo, de maior relevância, a própria natureza dos recursos Especial e Extraordinário, pois, neles não se há possibilidade de haver discussão de matéria de fato, mas única e tão somente de matérias de Direito.

Sendo assim, a autoria e a materialidade do fato já estariam comprovados nos autos, não havendo mais dúvidas sobre a culpabilidade do autor, muito menos da ocorrência do delito.

O que se decidiu, é que nos recursos possíveis, só há probabilidade de se discutir se há no caso alguma ilegalidade ou inconstitucionalidade, de modo que, essas situações não mais abarcariam a inocência do condenado. Votaram a favor Ministros Teori Zavasck, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

A ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte, ficaram vencidos.

O Relator fora claro ao afirmar que a presunção de inocência deve ocorrer até a prolação da sentença penal, confirmada pelo Segundo Grau, após esse momento, exaure-se o principio da não culpabilidade.

Aurelio Mendes - @amon78

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

STJ entende que a pobreza não pode ser obstáculo à liberdade

STJ entende que a pobreza não pode ser obstáculo à liberdade  

O Ministro do STJ Nefi Cordeiro afirmou que a pobreza não pode constituir obstáculo à liberdade e que o decurso do tempo de prisão, sem recolhimento da fiança, constitui prova da incapacidade financeira do acusado.

Esse entendimento, já pacificado na Corte, embasou o relaxamento da prisão de homem acusado de praticar o crime de receptação e que permanecera preso por mais de dois meses, mesmo depois de ter sido arbitrada a fiança.

Trata-se de um caso no qual o acusado foi preso em flagrante delito dirigindo uma caminhonete Hilux com sinais identificadores adulterados.

Sendo indagado pela Coorte, o réu afirmou que havia comprado o carro de um conhecido.

Assim, foi arbitrada fiança no valor de R$ 5.000,00. Contra essa decisão foi impetrado “Habeas Corpus”, no qual a defesa alegou que o homem não tinha condições financeiras de arcar com o pagamento.

O TJMG manteve a decisão sob a fundamentação de que o acusado contratara advogada e que a quantia estipulada já seria um benefício. Todavia, o STJ reformou a decisão sob a fundamentação acima.  

Aurelio Mendes - @amon78

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Não pratica ato de concorrência desleal quem indica loja que vende produto diverso da que o empregador comercializa

Não pratica ato de concorrência desleal quem indica loja que vende produto diverso da que o empregador comercializa

O empregado que indica outra loja para um cliente porque seu empregador não comercializa os produtos procurados, não é desleal com o seu empregador. Com base nesse entendimento, escorreito, o TRT da 24ª Região reformou dispensa por justa causa de vendedor de carros.

Em primeiro grau, a sentença entendeu que o procedimento empresarial de dispensa motivada do empregado estava correto, pois haveria ocorrido “in casu” a quebra do dever de fidelidade e colaboração.
Todavia, o Regional entendeu que, ainda que a mensagem tenha sido enviada por e-mail profissional, não ocorrera quebra de confiança, pois o cliente buscava produtos que a empresa não possuía.
Afirmou o Desembargador:

  "Não vislumbro nenhum ato configurador de concorrência, menos ainda desleal, por parte do trabalhador a ensejar a ruptura motivada, à medida que se limitou a indicar para terceira pessoa, o nome de uma empresa que vende peças diversas daquelas comercializada pela empregadora, não havendo, a toda as luzes, nenhum objetivo de prejudicar a base de clientes da acionada, desviando-a para outros fornecedores"    

Para o Magistrado ainda não havia em se falar em indisciplina do trabalhador.

Sendo assim, como a dispensa ocorrera com iniciativa da empresa e sem motivação, era devido pagamento de indenização de aviso prévio, férias proporcionais com respectivo adicional, gratificação natalina proporcional e multa de 40% sobre o saldo do FGTS.  

Aurélio Mendes - @amon78

Prisão processual não pode ser mais gravosa do que a prisão penal

Prisão processual não pode ser mais gravosa do que a prisão penal    

Algo que incomoda alguns profissionais do Direito é a ocorrência, de certa forma constante, da prisão processual quando não há justificativa para a prisão penal. Ou seja, a prisão que seria uma “garantia” para a imposição da pena é mais gravosa do que a própria pena, fato que é inaceitável em um Estado Constitucional e Democrático de Direito.

Com esse entendimento a 5ª Turma do STJ reformou acórdão do TRF da 3ª Região. No caso, um homem havia sido condenado à pena de 2 anos e 11 meses de prisão, em regime aberto, teve o pedido de recorrer em liberdade negado, sob a fundamentação de que a conduta era de alta gravidade, o réu era reincidente e deveria haver garantias para a aplicação da lei penal.

Todavia, de forma escorreita, o STJ entendeu que manter a prisão não atendia o que dispõe o Princípio da Razoabilidade.

Assim, o STJ revogou a prisão preventiva, mas determinou a imposição das medidas alternativas para garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal.

  Aurelio Mendes - @amon78

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Acusados de crime a mando da Yakuza serão julgados pelo Tribunal do Júri

Acusados de crime a mando da Yakuza serão julgados pelo Tribunal do Júri  

A magistrada Eliana Cassales Tosi de Mello da 5ª Vara do Júri de São Paulo entendeu que dois homens acusados de assassinato, a manda da Yakuza, em Tókio, serão submetidos ao veredicto do Tribunal do Juri em São Paulo.

Os dois acusados responderão pelo homicídio de um comerciante e pela tentativa de homicídio da mulher dele. Ambos os increpados foram presos privativamente quando do recebimento da denúncia, em maio de 2.001.
Para a juíza, a presença de indícios de autoria e prova da materialidade do crime justificam o julgamento pelo tribunal do Júri.

A prova da materialidade foi verificada pelos exames do morto e da vítima de tentativa de homicídio, ao passo que os indícios de autoria estão consubstanciados em depoimentos de testemunhas e pelas confissões dos increpados.
Assim, a Magistrada pronunciou os dois réus e os enviou a julgamento do Conselho de Sentença por homicídio e tentativa de homicídio com recurso que dificultou a defesa do ofendido.

Na espécie há nítida aplicação do artigo 7º do CP, disposição essa que trata da extraterritorialidade de lei penal no espaço. “In verbis et literis”:  

“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

O artigo acima mencionado trata da extraterritorialidade da lei penal, o inciso I trata das situações em que será aplicada a lei brasileira, ainda que o tribunal estrangeiro já tenha conhecido o fato e julgado o autor do crime, é a denominada extraterritorialidade incondicionada.
Por seu turno, o inciso II trata da extraterritorialidade condicionada, de modo que, para se aplicar a lei brasileira, é necessário o preenchimento das condições do §2º do artigo 7º do CP.    

Aurélio Mendes - @amon78

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Fator Safyia

A Teoria da Tomada de Decisão precisa ser atualizada, justamente para inserir os mecanismos contingentes do contexto, do sujeito humano julgador (mapa mental e emoções), que podem mudar a decisão pelo detalhe (efeito borboleta).  

Para entender o grau de dificuldade do que se passa, o exemplo de Safiya Hussaini Tungar Tudu pode auxiliar[1].

A história comove. Nigeriana de nascimento, Safiya cresceu na savana, em uma comunidade regida pela religião muçulmana, em que a mulher é inferiorizada. Teve o clitóris arrancado desde bebê.

Casou-se pela primeira vez aos 13 anos, em seus quatro casamentos foi repudiada e desprezada pelos maridos, que tinham diversas mulheres e a tratavam como objeto.

O repúdio é a maior vergonha que a mulher nigeriana pode receber. Depois do último repúdio, voltou a viver com seus pais, cuidando dos filhos. Aí se apaixona por um homem chamado Yacubu, com o qual manteve quatro encontros amorosos, restando grávida. Os encontros não eram legítimos para a Sharia (a lei draconiana e em vigor desde 1999 em algumas regiões da Nigéria, dentre elas Sok oto, onde Safiya reside).   Yacubu a recusou como mulher, nem reconheceu as relações, e ela restou grávida e sem marido.

E isso, para a Sharia, significa adultério, cuja pena é o apedrejamento. Denunciada por seu irmão, membro convertido do novo regime, acaba sendo processada e condenada. Cabe anotar que na primeira investigação Yacubu disse que teve encontros com Safiya, mas depois se retratou, dizendo que nem sequer a conhecia.

Lembre-se que o depoimento de um homem prevalece sobre o de uma mulher no contexto nigeriano.

A realização de exame de DNA foi rejeitada pela corte.   Seu caso gerou comoção internacional, especialmente porque violava as normas de direitos humanos, das mulheres, enfim, todo o ordenamento ocidental. A questão é que para os magistrados responsáveis pelo julgamento esses argumentos eram irrelevantes. Não faziam sentido.

O advogado responsável pelo último recurso, todavia, lançou mão da tática vencedora. Os fatos comprovados eram que Safiya havia sido casada anteriormente e que estava divorciada havia menos de três anos quando manteve relações sexuais com outro homem, restando grávida. Nasceu Adama, nome da filha.

Os documentos de direitos humanos não entram nos jogos de linguagem prevalecente no ambiente forense da Nigéria, cuja fonte do Direito é o livro sagrado.

  Então, o advogado Abdulkadir Imam Ibrahim lançou mão do único argumento que poderia convencer — capturar o sentido — os julgadores. Além da pressão internacional pelo evento, uma vez que a BBC deu publicidade ao caso, a tese defensiva era um argumento religioso irrefutável: "O que o profeta Maomé disse no Alcorão ninguém pode fazer objeção.

E no livro sagrado há uma sura (capítulo) em que afirma: a semente do homem pode permanecer inativa, no ventre da mulher, por até três anos antes de despertar e gerar uma criança, bem como fecundar se for um óvulo adormecido".  

O leitor apressado dirá que isso é impossível, viola as regras biológicas e é sem sentido. Lembre-se que o que convence o julgador na maioria dos casos é algo que não faz sentido racional, tema que abordarei na terceira edição do Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, no prelo.

Por ora, cabe dizer que os magistrados acolheram o argumento de que a criança pode não ter nascido do relacionamento com Yacubu — até porque ele negara —, mas sim do último marido e, embora não se pudesse provar a paternidade, também não se podia a excluir. Como a possibilidade de o sêmen permanecer três anos no ventre é incontestável, diante da palavra sagrada, a conclusão foi: absolvida.  

Alguns podem objetar que essa leitura é de uma tradição diferenciada. Talvez seja um argumento que possa ser usado depois.

O que no momento procuro sublinhar é que os julgamentos são humanos, e os fundamentos são culturais, com jogadas de sorte.

Caso o advogado de Safiya não tivesse achado a sura, nem a invocado, o apedrejamento teria acontecido. A vida de Safiya manteve-se pela confluência de fatores contingentes e de sorte — comoção internacional, advogado estratégico e argumento dentro do modelo de decisão dos magistrados.  

Disso resulta que embora tenhamos conhecimento das normas aplicáveis, encontrar uma citação perdida em um livro sagrado (e aqui antecipo que os livros sagrados podem ser lidos como os manuais de Processo/Direito Penal) pode ser a salvação.

Por isso, recomendo acompanhar a produção de autoritários do Processo/Direito Penal. Vai que há uma citação salvadora.

A autoridade do argumento pode ser maior se o jogador conhecer as preferências do julgador (e seus assessores, acompanhar seus julgados e os livros de sua estante).

  Por isso que o manejo da tática correta, no contexto correto, muda o resultado da partida e justifica, desde já, a modificação da compreensão do processo penal. Para além da metafísica, acolho um percurso pela teoria da guerra (sempre imprevisível) e a Teoria dos Jogos[2].

Fique atento ao Fator Safiya.
  Bom Carnaval.    

Esse texto foi escrito por Sua Excelência Alexandre de Moraes Rosa e publicado no site Conjur. Por seu conteúdo perfeito, com precisas observações em cima de uma história, achei por bem publicá-lo aqui para vocês.

[1] HUSSAINI TUNGAR TUDU, Safiya. Eu, Safiya: a história da nigeriana que sensibilizou o mundo. Trad. Marcos Malvezzi Leal. Campinas: Verus, 2004

[2] MORAIS DA ROSA, Alexandre. A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal. Lisboa/Florianópolis: Rei dos Livros/Empório do Direito, 2015.    

Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Governo bipolar já altera o Novo CPC que ainda nem entrou em vigor

Governo bipolar já altera o Novo CPC que ainda nem entrou em vigor  

A Presidente da República Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.256 que altera a lei 13.105/2015, que regra o Novo CPC e que ainda não está em vigor.
Entre as alterações está o restabelecimento do juízo de admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinários pelos Tribunais locais, ou seja, pela instância “a quo”.
O Novo CPC determinava que esses recursos deveriam ser enviados diretamente para as Cortes Superiores, mas na avaliação dos ministros dessas Cortes, o número de processo nesses Tribunais seriam aumentados a ponto de prejudicar a agilidade das decisões.

Ademais, também fora retirada a obrigatoriedade dos julgamentos pela ordem cronológica, pois, segundo os Magistrados a regra engessaria a atuação dos magistrados, impedindo, por exemplo, o destaque de processos para multirões.

Outra alteração ocorreu para limitar o saque de valores pagos a título de multa, pela parte contrária, ao trânsito em julgado, tentando impedir que, se tais valores fossem sacados na pendência de alguns tipos de agravo e houvesse a reversão da decisão, que eles não fossem mais recuperados.

Ainda subtraiu-se a possibilidade de julgamento por meio eletrônico dos recursos e dos processos de competência originária que não admitem sustentação oral.

Como diria o Mestre Guilherme de Souza Nucci “aqui nós temos o fator Brasil”. Nós temos a proeza de alterar uma lei de tamanha importância como o CPC, antes mesmo da lei que o regra entrar em vigor.
Por isso continuaremos a ter leis e códigos Frankstein, também conhecida popularmente como Colcha de Retalhos. Seria muito mais saudável e técnico que essas regras fossem debatidas antes da sanção do Novo Código de Processo Civil.
Mas, não tem jeito, vivemos sob o fator Brasil.

Aurelio Mendes - @amon78

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Chefe de Polícia não tem competência para afastar delegado, decide TJ-RS

Chefe de polícia não tem competência para afastar delegado, decide TJ-RS    

O TJ do Rio Grande do Sul entendeu que o chefe de polícia não tem competência para determinar o afastamento preventivo de delegado investigado pela prática, em tese, de ilícitos, ainda que tenha sido instaurado inquérito policial instaurado na Corregedoria da Polícia Civil.  

A magistrada de piso entendeu que não havia irregularidade no afastamento preventivo do autor, eis que a Portaria SJS 127, de 31 de julho de 2001, em seu artigo 2º, regra que o chefe de polícia pode deliberar sobre o afastamento de servidores da administração pública.

Para a Magistrada não havia irregularidade na motivação do ato administrativo. Entretanto, o Tribunal entendeu que o Estatuto dos Servidores da Polícia Civil do RS (Lei estadual 7.366/80) por estabelecer que a possibilidade de afastamento preventivo do cargo não está prevista para o caso de inquérito policial, restringiu essa situação apenas para os casos de sindicância e de processo administrativo disciplinar.

Assim, entendeu o relator que não é possível estender a interpretação da lei para prejudicar o servidor, de tal sorte que a aplicação da punição deve decorrer de previsão legal, para preservar o princípio da legalidade.

Ainda, entendeu o Desembargador que o chefe de polícia não tem competência administrativa para determinar o afastamento, sendo essa competência do governador do estado, do secretário de Segurança Pública e do superintendente dos Serviços Policiais e do Conselho Superior de Polícia.

Aurélio Mendes -@amon78

Justiça do Rio proíbe livrarias de venderem livro "Mein Kempf"

Justiça do Rio proíbe livrarias de venderem livro “Mein Kempf” de Adolf Hitler  

A 33ª Vara criminal do Rio de Janeiro proibiu a venda do livro Minha Luta (“Mein Kampf”) de autoria do ditador Nazista Adolf Hitler. Segundo o Magistrado, Alberto Salomão Junior, a obra incita práticas de intolerância contra grupos sociais, étnicos e religiosos. Para ele, a proibição se justifica em virtude de que valores humanos e jurídicos estabelecidos pela República são discriminados e lesados pelo teor da obra.  

O Magistrado assim se manifestou:     “Destaco que a venda de livros que veiculam ideias nazistas ferem gravemente a ordem pública, pois afronta a norma penal insculpida no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei 77168/89. Dessa forma, estão demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro, na própria demonstração da existência da obra que apregoa o nazismo; o segundo, considerando a urgência em evitar a disseminação do livro com ideias contrárias aos direitos humanos, que é fundamento e objetivo fundamental da República Federativa do Brasil"    

Ainda:  

“Registre-se que a questão relevante a ser conhecida por este juízo é a proteção dos direitos humanos de pessoas que possam vir a ser vítimas do nazismo, bem como a memória daqueles que já foram vitimados. A obra em questão tem o condão de fomentar a lamentável prática que a história demonstrou ser responsável pela morte de milhões de pessoas inocentes, sobretudo, nos episódios ligados à Segunda Guerra Mundial e seus horrores oriundos do nazismo preconizado por Adolf Hitler”    

Entretanto para mim a questão não pode ser analisada de modo tão singela, eis que há a Garantia Constitucional de Liberdade de Expressão do outro lado. Ademais, ainda destaco que, feliz ou infelizmente, a história da humanidade é construída por todos os acertos e erros praticados, por isso que popularmente podemos afirmar que “aprendemos errando”, nossos erros são nossas maiores lições.

Sendo assim, não se pode apagar qualquer fato social que já tenha ocorrido, sob pena de criarmos pessoas ignorantes sobre eles, podendo, inclusive, a “repetir o erro”.

Explico mais detalhadamente.
Não estou a dizer que nós iremos praticar atos nazistas em virtude da proibição de comercialização do livro. O que quero dizer é que a gente só sabe o que é certo ou errado se conhecermos o assunto. Entendo que é dever/ direito das pessoas conhecerem o que de fato ocorreu em um passado não muito distante, para, com base em seu conhecimento, formar sua opinião de reprovação sobre a questão.

Aurélio Mendes - @amon78

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Falsificar assinatura em procuração não é crime se ato foi inútil, diz TJ-RS

Falsificar assinatura em procuração não é crime se ato foi inútil, diz TJ-RS      

Mais uma vez a Justiça do Rio Grande do Sul profere decisão tormentosa. Para esse Egrégio Tribunal falsificar assinatura em procuração pode ser conduta formalmente típica, mas, se não produzir lesão à Justiça nem Ameaça a Fé Pública, é uma conduta materialmente atípica. Com esse entendimento a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça daquele estado absolveu dois denunciados incursos no artigo 298, “caput”, do Código Penal.

Os increpados eram advogados que teriam, em tese, falsificado procuração em processo no qual a cliente deles movia contra a empresa Brasil Telecom. Para o relator, não ocorrera qualquer prejuízo para a Justiça, eis que o Enunciado 77 do Fórum Nacional de Juizados Especiais regra que o advogado como nome no termo de audiência tem poderes para atuar no processo em nome da parte.

Para o Desembargador, embora a falsificação de documento seja crime formal, ou seja, aquele que se consome independentemente da obtenção do efetivo benefício almejado, o Direito Penal só deve incidir quando os bens jurídicos mais essenciais à vida em sociedade sofrerem significativa lesão ou ameaça de lesão, ou seja, o Direito Penal deve ser a “ultima ratio”.

Consta no voto do Desembargador Relator:  

‘‘Clarividente está, no caso dos autos, que a conduta do réu Roberto – tenha sido praticada com ou sem a participação do réu Marcelo – visou apenas evitar um prejuízo a um jurisdicionado. Não houve dolo de enganar a Justiça ou diminuir a fé que a sociedade como um todo tem nos documentos públicos ou particulares, pois o advogado estava, efetivamente, autorizado para patrocinar aqueles processos, e a juntada da procuração foi indiferente ao conhecimento das contrarrazões ao recurso’’      

  Dessa feita, ainda que o crime seja formal, segundo o Desembargador, deve haver uma materialidade material. O que nos parece, de fato, um equívoco, pois, com a devida vênia, o espírito da lei não é exigir prejuízo para a conduta típica, eis que o que está em jogo é a Boa Fé e a Administração da Justiça.  

Aurelio Mendes - @amon78  

TJSP suspende proibição sobre uso de multas para custear a CET

TJSP suspende proibição sobre uso de multas para custear a CET      

O Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a decisão de primeiro grau proferida pela 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital, por entender que o caso precisa ser analisado de uma maneira mais profunda. Isso porque, se de um lado há a disposição do CTB na qual se apoia o Ministério Público que determina que a receita arrecadada com multas deve ser usada apenas em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito, por outro lado, há normas municipais, como a Lei Municipal 14.488/2.007 e o Decreto 49.399/2008 que também tratam do assunto.

Assim, para o Desembargador, a questão não deve ser solucionada de forma superficial, como ocorre na concessão de liminares, o mérito deve ser esgotado, como ocorre na tutela definitiva.

Afirmou o Desembargador:  

  “Eventual destinação deve ser corrigida a partir de tutela definitiva, a permitir que a Municipalidade possa se ajustar, no plano orçamentário e organizacional, de modo a não causar abalo a outros setores sensíveis da administração, voltados ao custeio da saúde, educação etc.”