quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O STJD julgou duramente o Grêmio

O Grêmio está, por enquanto, fora da Copa do Brasil. Na 3ª sessão da Comissão Disciplinar do STJD, a equipe tomou uma severa punição em decorrência das ofensas racistas proferidas por alguns de seus torcedores contra o goleiro Aranha, jogador do Santos.
Em decisão unânime, o clube ainda recebeu uma multa total de R$ 54 mil e as pessoas que foram identificadas xingando o jogador foram proibidas de entrar em estádios por 720 dias.
O árbitro da partida foi multado em R$ 1.600,00 e suspenso por 90 dias, por não relatar o incidente na versão inicial da súmula. Os auxiliares foram punidos pelo mesmo motivo, mas com a multa fixada em R$ 1.000,00 e suspensos por 2 meses.
O time Gaúcho irá recorrer para o pleno do STJD.
A punição foi pela infração ao artigo 243- G do CBJD, Código Brasileiro de Justiça Desportiva que regra:

“Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009). Capítulo III
 
 
Como se vê, apesar da pena ter sido dura, extremamente dura, e de ferir os Princípios Constitucionais da Proporcionalidade e Razoabilidade, o Tribunal seguiu o que está descrito na lei.
A regra é clara, se a conduta de Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça e/ou cor for praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida … e caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição.
A Copa do Brasil não tem critério de pontos, pois trata-se de torneio eliminatório no qual, a equipe que superar a outra no somatório de 2 jogos, segue na competição.
Sendo assim, o tribunal aplicou a pena que a  lei prevê. Podemos não concordar com ela, mas ela deve ser cumprida, a menos que seja declarada sua patente inconstitucionalidade.
Sobre o clube ser punido, certo é que no Direito Desportivo não vige o Princípio da Pessoalidade da pena, ou seja, a pena pode passar da pessoa que praticou a conduta.
Outro fator que corrobora a imposição da pena é que, como reconhecido por sua Excelência o Auditor-Procurador Rafael Vanzin, em episódios antigos punições pedagógicas não ajudaram a mudar o comportamento da torcida do Grêmio. Ou seja, a reincidência agrava ainda mais a necessidade de imposição de pena.
Vanzin citou até cântico da torcida do Grêmio sobre a morte de Fernandão, ídolo do Internacional: “São condutas nefastas, e eles merecem, sim, uma punição”. Nesse episódio a torcida gritava “Fernandão morreu, Fernandão morreu”.
Assim meus caros, concluo que, ainda que o dispositivo de lei tenha a pecha de inconstitucional, o Tribunal nada mais fez do que aplicar a lei ao caso.
Quem sabe, agora, essa torcida aprenda a conviver com as diferenças.
Aurelio Mendes – @amon78

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Contaminação dolosa com HIV

Foi noticiado nos últimos que um americano com HIV está sendo acusado de contaminar de propósito 24 parceiros. Morador de San Diego, Thomas Guerra, 29, está sendo acusado pela promotoria daquela cidade pelo delito de expor indivíduos a doença infecciosa, no caso HIV, de modo que poderá pegar em até seis meses de prisão e pagamento de multa de US$ 1.000. 
No caso há testemunhas que viram videos nos quais o increpado se gaba de ter infectado dezenas de pessoa. 
Essa questão é tormentosa, particularmente, é questão ainda insolúvel para o Direito Penal pátrio. Senão vejamos.
 Primeiro destaco que, sob a ótica do funcionalismo, pode-se dizer que a exposição é sobre um risco permitido? 
No caso negativo, patente a ocorrência do crime, no caso negativo, a questão deverá ser mais a fundo. 
Claro que, quando questiono se a conduta submete a vítima a risco permitido, não significa a concordância com a transmissão dolosa da doenças, mas se a sociedade como o todo, entende - ainda após receber quantidade excessiva, mas necessária de informações sobre as doenças venéreas - que é lícito e permitido o risco de ter relacionamento sexual sem a devida proteção. 
Ademais, e se essa sociedade, ainda que permita apenas o uso de relacionamento com proteção, entende que a exposição ao risco de contágio em decorrência de rompimento de um preservativo, por exemplo, é permitido ou não. 
Creio que em uma sociedade extremamente liberal, esse risco se torna, ainda que tacitamente, permitido. Mas, é assunto a se refletir muito ainda. 
Apenas para concluir o raciocínio, adotando o conceito de homem médio, não há em se falar em risco permitido, por óbvio, pois não há na esfera global uma sociedade "extremamente liberal" como mencionei. Assim, ainda que seja analisado o caso sob o enfoque do funcionalismo, é patente a ocorrência do crime.
Pratica, em tese, a conduta com a consequente contaminação, a pergunta que não quer calar é: por qual crime deve responder o agente?
Nesse ponto há algumas possibilidades.
O artigo 130 do CP prevê o delito de "perigo de contágio venéreo":

"Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
        Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
        § 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
        § 2º - Somente se procede mediante representação"


Todavia, segundo o Princípio da Legalidade, o qual exige a tipicidade do delito, me parece que o indigitado artigo não se aplica, eis que o HIV não é "moléstia venérea", podendo ser transmitida, por exemplo, por agulhas de tatuagem.

Destarte, quanto ao art. 130 do CP, comenta Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 576) que:

"AIDS: a síndrome da imunodeficiência adquirida não é doença venérea, pois ela possui outras formas de transmissão que não são as vias sexuais. Assim, caso o portador do vírus – ainda considerando letal pela medicina – da AIDS mantenha relação sexual com alguém, disposto a transmitir-lhe o mal, poderá responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado, conforme o caso."


De outro lado, temos o artigo 13 do CP que regra:

   "Perigo de contágio de moléstia grave
        Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa."
 
Para muitos, o artigo em tela, também não se aplica, pois o HIV não é "apenas" grave, pois ainda figura-se como moléstia letal.

Desse modo, o enquadramento nessa norma ainda não seria a solução mais adequada, apesar que entendo que o que é letal, é grave, não sendo verdade o inverso. 

Ainda ocorreu em SP, uma determinação do então Procurador Geral de Justiça, Rodrigo César Rebello Pinho, que o caso deveria ser enquadrado como lesão corporal grave por transmissão de enfermidade  incurável, nos termos do artigo 129, §2º, II do CP:

"Lesão corporal
        Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
        Pena - detenção, de três meses a um ano.
        Lesão corporal de natureza grave
        § 1º Se resulta:
        I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
        II - perigo de vida;
        III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
        IV - aceleração de parto:
        Pena - reclusão, de um a cinco anos.
        § 2° Se resulta:
        I - Incapacidade permanente para o trabalho;
        II - enfermidade incuravel;
        III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
        IV - deformidade permanente;
        V - aborto:
        Pena - reclusão, de dois a oito anos." 

 Ou seja, o agente responderia por pena variável entre 2 a 8 anos. 



Ainda há a possibilidade de enquadramento no artigo 121, na sua forma consumada ou tentada. Se da contaminação sobrevier a morte, nos parece que a solução não será pacífica para a definição de que ocorrera homicídio, pois ausente o "animus necandi", tratar-se-ia de lesão corporal seguida de morte, nos termos do artigo 129, §3º do CP, cuja pena prevista é de 4 a 12 anos re reclusão. 
 Agora se a morte não ocorrer, o que é cada vez mais provável com o avanço da medicina, teríamos, se presente o "animus necandi" tentativa de homicídio (artigos 121 cc com artigo 14 ambos do CP), se ausente a intenção de matar, nos parece que - pelo dolo da contaminação - lesão corporal de natureza grave pela contaminação de enfermidade incurável. 
Não sei, ao  certo, o que os doutrinadores e a jurisprudência irão decidir com o avanço da medicina, mas por hora, entendo que o caminho é este. 
Aurelio Mendes - @amon78