Diariamente
me lembro da paixão que nasceu pelo Direito Penal, sentimento esse
que me afastou da Engenharia e que me fez ver a ciência de um modo
diferente.
O
mundo pode ser consertado? Há solução para os problemas de
relação?
“Não”
é a única resposta para ambas as perguntas, pois o mundo real
jamais alcançará o mundo ideal, mesmo porque, cada um tem seu
próprio conceito do que é ou não ideal.
Todavia,
há situações que são intoleráveis, mormente diante o regramento
típico e preciso do Direito Penal. Aliás, hoje tem-se que ter em
mente um Direito Penal Constitucional, aquele que deve ser a “ultima
ratio”, no qual Roxin desenvolveu sob o pálio de uma doutrina de
vanguarda um maior liberalismo penal, no qual, a tipificação
literal de uma conduta não deve ser levada à cabo.
Trata-se
de evolução da ciência, com a qual, todos têm o direito de
concordar ou não.
Porém,
o liberalismo penal está chegando ao extremo e, como sempre afirmo e
me lembro, ouvi de Sua Excelência Guilherme de Souza Nucci que a
população poderá não concordar com a falta de pulso estatal e
procurar, infelizmente, a “Justiça com as próprias mãos”. Para
quem duvida, basta analisar fatos recentes.
Entretanto,
é de saltar os olhos algumas decisões como a que fora proferida
pelo Augusto TJRS, nos autos do processo 0009825-70.2014.8.21.7000,
cuja ementa é a seguinte:
“ APELAÇÃO-CRIME.
TRÁFICO DE ENTORPECENTES. BUSCA DOMICILIAR ILEGAL. NULIDADE DA
APREENSÃO. PROVA REMANESCENTE. INSUFICIÊNCIA.
I.
Nulidade por violação de direito constitucional. Inexiste previsão
legal de busca domiciliar mediante o mero e suposto consentimento do
proprietário, já que a anuência, quando de fato há, é
evidentemente dada sob constrangimento. Ingresso não autorizado
judicialmente, quando as investigações poderiam facilmente ter
conduzido à representação por mandado de busca e apreensão.
Pela
clara violação ao artigo 5º, IX, da Constituição Federal, deverá
ser decretada nula a apreensão dos objetos na residência do réu,
remanescendo apenas a apreensão decorrente da busca pessoal e as
provas dela derivadas.
II.
Tráfico de Entorpecentes. Não há provas da atividade de
traficância. A investigação procedida pela Polícia Civil conta
apenas com fotografias em nada comprometedoras, pessoas não
identificadas e imputações pouco detalhadas. Em juízo, nada consta
além do depoimento dos policiais e da negativa do réu. Impositiva a
absolvição.
RECURSO
DEFENSIVO PROVIDO. ABSOLVIÇÃO.
RECURSO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADO. “
Na
indigitada decisão o Tribunal “a quo” anulou a prova colhida na
residência do condenado sob o entendimento de que o domicílio é
“asilo inviolável do indivíduo”.
Porém,
com a “devida venia” tal entendimento não encontra respaldo no
Ordenamento Jurídico e nem na sistemática do Direito Penal
Constitucional. Senão vejamos:
A
“Lex Matter” regra no XI do artigo 5º o seguinte:
“A casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”
Não
se discute que a previsão constitucional é cláusula pétrea, de
modo que não pode ser alterado. Certo também, é afirmar, sob um
ponto de vista Humanista que o alcance da norma, por proteger
Direitos Humanos, não pode ser alterada nem por nova Ordem
Constitucional, sob pena de termos um retrocesso.
Mas,
por ser norma de tamanha importância, deve ser interpretada visando
o bem social.
A
norma constitucional determina que a casa é asilo inviolável, mas
traz exceções, as quais não devem serem postas em um “mesmo
balaio”.
Assim,
sabe-se que existem as seguintes exceções:
-
Consentimento do morador;
-
Flagrante delito ou desastre;
-
Prestar socorro;
-
Determinação judicial, durante o dia.
Como
o objetivo desse texto é a análise do teor da decisão, não iremos
nos alongar nas definições das exceções, nem mesmo sobre o que
significa o termo “dia”.
As
três primeiras situações não encontram limitação temporal, de
modo que o ingresso à casa pode ocorrer durante o período noturno.
Não haveria sentido afirmar, como não se afirma, que só pode
ingressar na casa nessas hipóteses durante o dia.
Já
pensaram no exemplo no qual, alguém precisa de socorro de terceiro,
que fica impedido de entrar na casa, pois o horário não permite o
ingresso?
Seria
uma situação teratológica.
Ocorre
que no caso em tela, a Augusta Turma entendeu que ainda com o
consentimento do morador, a Coorte só poderia adentrar na residência
com determinação judicial, consubstanciado em Mandado de Busca e
Apreensão, ou seja, o Tribunal exigiu um misto entre a 1ª e 4ª
exceção, o que não é permite, embora fosse muito mais favorável
para o investigado, a situação é plenamente prejudicial para o bem
social, que deve prevalecer sobre o individual.
Afirmar
que permitir que a Coorte ingresse em determinada casa “apenas”
com o consentimento do morador” seria esvaziar a previsão
constitucional de que há necessidade de determinação judicial, é
assertiva que não se sustenta.
Primeiro
pelo fato de que, se o investigado não franqueasse a entrada da
milícia pública em sua residência, nessa hipótese, haveria
necessidade de mandado de busca e apreensão.
E,
apenas a título de observação, há ainda aqueles que iriam
justificar o ingresso na residência pela exceção do “flagrante
delito” eis que o tipo penal é de ação múltipla e manter em
casa, sob sua guarda, quantidade de entorpecente com o propósito de
traficar também é conduta prevista na lei.
Segundo,
pelo fato de que, seria entupir o Judiciário com pedidos de
expedição de Mandados de Busca e Apreensão, tecnicamente
desnecessários, diga-se de passagem, o que aumentaria e tornaria
insuportável a burocracia da atuação policial.
Ademais,
não se pode presumir a coação, coerção e abuso de autoridade por
partes dos policiais que são agente públicos e, por esse motivo,
possuem fé pública.
Ou
seja, nos autos deveria haver comprovação de que essas situações
(ao menos uma delas) de fato ocorrera para macular a prova colhida. O
que não se verificou nos autos.
Desse
modo, patente a legalidade da prova colhida. Não havendo qualquer
mácula em sua produção.
Assim,
pode-se afirmar que pessoas da pior espécie (traficantes previamente
condenados que traficam drogas em ESCOLAS, quando deveriam estar
cumprindo suas penas) foram beneficiadas por uma interpretação que,
ao meu modo de ver, não se justifica tecnicamente.
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